Quando fechou a venda do banco PanAmericano, em janeiro de 2011, o empresário Silvio Santos, que controlava a instituição, chegou a dizer a alguns jornalistas que estava “livre” de problemas. Semanas antes, ele havia cogitado vender uma fatia de sua rede de televisão, o SBT, para cobrir o prejuízo de R$ 4 bilhões descoberto meses antes no PanAmericano, causado basicamente por uma sequência de fraudes. Com a venda, as perdas seriam cobertas pelo comprador, o banco BTG Pactual e, a maior parte delas, pelo Fundo Garantidor de Créditos, entidade mantida por grandes bancos que é acionada quando alguma instituição passa por dificuldades. Nos últimos meses, porém, os rolos do PanAmericano voltaram a parar no colo do apresentador — e, dessa vez, ele decidiu resolvê-los brigando, nos tribunais, contra o BTG e seu controlador, André Esteves. A notícia foi publicada pela revista Exame.

O motivo da disputa é a sexta cláusula do contrato de 72 páginas de venda do banco, segundo apurou a Exame analisando documentos do processo e ouvindo executivos ligados diretamente ao caso. Essa cláusula diz que o BTG tinha a opção de comprar, num prazo de até 180 dias, outras seis empresas do Grupo Silvio Santos que prestavam serviços para o PanAmericano, como a gestora de recursos PDTVM, a agência de viagens Pan Viagens e a corretora de seguros PanSeg.

O contrato determinava que as subsidiárias poderiam ser adquiridas pelo valor simbólico de R$ 10 mil — e que o BTG assumiria eventuais dívidas trabalhistas e fiscais. Até decidir se ficaria com as empresas, o BTG poderia tocar os negócios. Terminado o prazo, o banco informou que havia desistido de quatro empresas, mas continuou fazendo a gestão de duas, a administradora de cartões de crédito PACC e a PAS, empresa que concede empréstimos em nome do banco.

Mas não informou se pretendia comprá-las no futuro — e o Grupo Silvio Santos não cobrou uma decisão. “Para nós, estava claro que o BTG iria ficar com as empresas, era só questão de tempo”, diz um executivo da companhia do apresentador.

Em 31 de agosto deste ano, o BTG comunicou que não administraria mais a PACC e a PAS. Avisou que, a partir do dia seguinte, quem teria de cuidar da gestão das empresas seria o Grupo Silvio Santos. Quando os executivos do grupo telefonaram para os diretores das subsidiárias para entender o que havia ocorrido, descobriram que a maioria havia sido contratada pelo PanAmericano ao longo deste ano.

De acordo com um levantamento preliminar do Grupo Silvio Santos, o banco contratou mil dos 1,7 mil funcionários das duas empresas — o BTG não comenta o caso. As duas insti­tuições tinham ainda dívidas fiscais e trabalhistas estimadas em R$ 300 milhões — parte delas, ainda segundo a versão do Grupo Silvio Santos, acumulada durante a gestão BTG.

“Eles devolveram um cacho de bananas só com a casca”, diz um executivo da companhia de Silvio Santos. Quatro dias depois, o grupo entrou com uma ação judicial, alegando que o BTG agiu de “má-fé” ao devolver as empresas com seus “ativos esvaziados”, de acordo com o texto do processo, obtido pela Exame. Foi adotado segredo de Justiça para o caso.

Nos autos, a sigla S.S.P.S. e outros se referem à holding Silvio Santos Participações, e as iniciais B.B.P.S. e outros são usados para nomear o BTG.

Silvio Santos ganhou em primeira instância. Uma liminar concedida pelo juiz da 23ª Vara Cível de São Paulo em 5 de setembro determinou que o BTG Pactual continuasse administrando as empresas. Se descumprisse a ordem, receberia uma multa diária de R$ 50 mil.

Na sentença, o juiz Vincenzo Bruno Formica Filho escreveu que “os réus permaneceram na administração das sociedades ofertadas por tempo superior ao permitido para o exercício do direito de compra, fazendo crer (…) que as referidas sociedades seriam efetivamente compradas”.

Afirmou ainda que a saída do BTG da gestão das duas subsidiárias poderia “causar prejuízos à sua administração, bem como aos funcionários”. O banco recorreu e conseguiu derrubar a liminar em segunda instância. Nesse novo processo, o desembargador Roberto Mac Cracken afirmou que o Grupo Silvio Santos deveria ter cobrado uma decisão do BTG sobre a compra das empresas em 2011, como estabelecia o contrato de venda. Como não o fez, tem de ficar com elas.

O Grupo Silvio Santos resolveu, então, partir para a briga numa corte internacional. Assessorado pelo escritório de advocacia Costa, Waisberg e Tavares Paes, entrou, no início de outubro, com um processo na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), que fica em Paris, e é uma das mais tradicionais do mundo.

Tribunais de arbitragem são uma forma cada vez mais comum de resolver conflitos empresariais fora da Justiça. As disputas são resolvidas por árbitros indicados por acusadores e acusados, geralmente advogados e professores de faculdades de Direito — e as decisões não costumam levar mais de dois anos (na Justiça brasileira, um processo como esse poderia demorar pelo menos cinco anos para ser julgado). Os árbitros já foram escolhidos.

O Grupo Silvio Santos convidou o advogado José Emílio Nunes Pinto, vice-presidente da Corte Internacional de Arbitragem da CCI. O BTG, representado pelo escritório Barbosa, Müssnich & Aragão, indicou o advogado e professor Marcelo Huck, pai do apresentador Luciano Huck. Silvio Santos quer que o banco mantenha a gestão das duas empresas de forma definitiva e assuma suas dívidas. A data do julgamento não foi marcada. BTG, Grupo Silvio Santos e seus advogados não deram entrevista.

Pressão para dar lucro
Para o BTG, assumir as empresas significaria ter de adiar ainda mais o plano de fazer o PanAmericano dar os bons resultados esperados. Quando comprou a instituição, o BTG planejava melhorar os números do banco trimestre a trimestre. Ocorreu o contrário. Houve prejuízo de R$ 198 milhões de julho a setembro deste ano, ante um lucro de R$ 76 milhões nos primeiros três meses de 2011.

A meta de fechar este ano no azul foi abandonada — ficou para 2013. Com isso, as ações do banco estão em baixa de 20% em 2012, enquanto o Ibovespa sobe 2%. Para diminuir as perdas, o PanAmericano está cortando custos (fechou 68 agências e cancelou 200 mil contas de cartão de crédito inativas) e revisando negócios menos lucrativos — o financiamento de veículos vem cedendo espaço ao crédito imobiliário, em que a inadimplência é menor.

Se incorporasse as duas subsidiárias, o PanAmericano teria de fazer uma provisão para pagar dívidas fiscais e trabalhistas, o que aumentaria o prejuízo. Executivos do banco dizem que o BTG nunca teve a intenção de ficar com as duas empresas (por isso, não exerceu a opção prevista no contrato) e montou, internamente, uma área para administrar cartões e outra para cuidar da venda de empréstimos — contando, claro, com a ajuda dos profissionais contratados das subsidiárias que quer devolver a Silvio Santos.

De acordo com pessoas próximas ao banco PanAme­ricano, a Caixa Econômica Federal, que é dona de 36,6% do capital da instituição e indicou o presidente e dois outros representantes do conselho de administração do banco, apoia a decisão de não comprar as empresas. A Caixa não comentou o assunto.

A previsão de executivos dos bancos e do Grupo Silvio Santos que acompanham o processo é que o tribunal francês de arbitragem dê uma solução para a disputa até 2014. Mesmo que a decisão seja favorável ao apresentador, ele pode não se livrar de vez dos problemas do PanAmericano.

A Caixa, que era sócia do banco quando foi descoberta a fraude que gerou o prejuízo de R$ 4 bilhões, está movendo uma ação contra o grupo na Câmara de Arbitragem do Mercado, mantida pela BM&F Bovespa. Segundo pessoas que acompanham o caso, a Caixa quer receber de volta ao menos parte dos cerca de R$ 700 milhões que colocou no PanAmericano para capitalizar o banco depois da venda para o BTG.

O objetivo da ação é mostrar que os responsáveis pela fraude são 17 ex-funcionários do banco — entre eles o ex-presidente Rafael Palladino e o ex-diretor financeiro Wilson de Aro — que respondem a uma denúncia feita pelo Ministério Público Federal e encaminhada à 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo.

Os advogados da Caixa têm dito que a instituição também foi vítima da fraude, porque investiu no banco com base em balanços inflados por operações que não existiam (procurada, a Caixa não deu entrevista). Já o Grupo Silvio Santos alega que a Caixa também era responsável pela gestão do banco.

Assim, deve arcar com as perdas e não tem direito a receber indenização alguma.  Ainda não se sabe quando essa arbitragem será concluída. Mas é certo que ninguém se verá livre dos problemas do PanAmericano tão cedo.

583.00.2012.187917-4/000000-000
0217108-44.2012.8.26.0000

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 3 de janeiro de 2013

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