Por Luís Felipe F. Kietzmann

A arbitragem é, por definição, um procedimento voluntário para solução de conflitos. O processo arbitral decorre necessariamente de uma conjugação de vontade das partes litigantes, as quais elegem um ou mais terceiros para decidir sobre determinada controvérsia, sujeitando-se em caráter definitivo à decisão proferida.

A Lei de Arbitragem (9.307/1996), conferiu eficácia equivalente à jurisdicional para as sentenças arbitrais. Indo além, assegurou que o ato decisório será irrecorrível, ressalvados pedidos de correção de erro material ou de esclarecimento acerca de omissão, dúvida ou contradição; e que o prazo para ajuizamento de ação anulatória de sentença arbitral será de 90 dias a contar da sua notificação, a partir do qual ela seria imutável. Sua eficácia subjetiva, no entanto, limita-se às partes que convencionaram o procedimento — de modo que o instituto permanece rigorosamente edificado sobre as bases da autonomia da vontade.

São duas as formas de se convencionar a arbitragem: por cláusula compromissória, que é a previsão contratual de que eventuais controvérsias serão dirimidas pelo procedimento; e por compromisso arbitral, que é o instrumento de submissão de determinada disputa já existente à arbitragem. Quando a cláusula compromissória for “vazia” ou “em branco”, ou seja, apenas afastar a competência do poder judiciário, será necessário o compromisso arbitral, na medida em que determina seus elementos essenciais, quais sejam, as partes, os árbitros, a matéria e o lugar de proferimento da sentença. Como alternativa, pode ser firmado um termo de arbitragem, instrumento previsto no regulamento de diversas câmaras e pelo qual as partes convencionam sobre as características do processo, além de suprirem os requisitos do compromisso arbitral.

Haja vista o caráter intrinsecamente voluntário da arbitragem, chama a atenção a existência da chamada “parte recalcitrante”, com alguma frequência abordada pela doutrina. Pode-se conceituá-la como uma parte demandada pela via arbitral e que obstrua seu regular processamento, em geral por inércia em indicar árbitro e firmar o compromisso arbitral e/ou termo de arbitragem. Considerando que existem mecanismos para punir e mesmo impelir a parte recalcitrante a integrar a arbitragem, seriam essas hipóteses exceções à regra de adesão voluntária? Seguramente, não.

De fato, a Lei de Arbitragem possibilita à parte que deseja instituir a arbitragem e não logre a adesão da demandada, o direito de propor ação judicial específica visando que esta seja chamada para, em juízo, firmar o compromisso arbitral. Caso a parte não compareça, ou ainda, caso não haja concordância entre elas sobre o tema, o Juiz decidirá sobre a forma da arbitragem, valendo a sentença como compromisso arbitral. No entanto, ao contrário do que se pode entender pela leitura isolada de alguns dispositivos da lei, deve-se ter em vista que somente haverá mérito quando a parte recalcitrante tiver firmado cláusula compromissória — ou seja, o ordenamento jurídico admite sim a instauração compulsória da arbitragem, mas somente quando já tenha havido sua prévia convenção.

Em que pese a celeridade do rito processual acima descrito — haja vista que o Juiz, após oitiva da parte demandada, deve sentenciar a ação na própria audiência de conciliação ou no prazo de dez dias, — inegável o desgaste de se lidar com uma parte recalcitrante. Para coibir esse comportamento, algumas câmaras têm debatido a inclusão em seus regulamentos de multas aplicáveis à parte que convencionar a arbitragem e, em caso de disputa, dificultar a sua instauração. Na falta de previsão normativa, no entanto, é legítimo e bastante recomendável que as próprias partes disponham na cláusula compromissória sobre multas ou outras penalidades oponíveis em casos de resistência.

Em situações em que as partes convencionam a arbitragem através de cláusula compromissória “cheia”, em que haja indicação, no mínimo, da instituição e do regulamento a que a arbitragem será sujeita, é possível que a câmara logre instaurar a arbitragem ainda que a parte demandada se omita. A título exemplificativo, aplicando o respectivo regulamento, o presidente de determinada câmara poderia indicar árbitro em nome da parte ausente. Nessa hipótese, por força do artigo 19 da Lei de Arbitragem, independentemente da lavratura de compromisso arbitral ou de termo de arbitragem, o procedimento estaria legitimamente instaurado a partir da aceitação de nomeação pelo árbitro ou pelos árbitros nomeados.

Outro ponto de atenção diz respeito às relações multilaterais. Sendo certo que a jurisdição arbitral não pode ser oposta senão às partes que a convencionaram, a existência de um “litisconsorte necessário” que não tenha firmado cláusula compromissória ou compromisso arbitral pode frustrar a instauração do processo. Já a intervenção voluntária de determinado terceiro poderia ocorrer, ressalvado o entendimento majoritário de que, nessa hipótese, seria necessária a anuência não apenas das partes litigantes, mas inclusive dos próprios árbitros.

Como se vê, não existe arbitragem desassociada do princípio da autonomia da vontade. Reconhecer os limites daí decorrentes é fundamental para que se possa manejar o instituto com eficácia.

Luís Felipe F. Kietzmann é advogado especializado em Direito Empresarial.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 7 de janeiro de 2013

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