Na última quarta-feira, 2/10, como amplamente divulgado, o ilustre ministro do STJ, Luís Felipe Salomão, que presidiu a Comissão de Juristas instituída pelo Senado Federal para a reforma da Lei de Arbitragem e mediação, passou às mãos do senador Renan Calheiros dois anteprojetos de lei. O primeiro deles introduz reformas pontuais no texto legal em vigor (Lei de Arbitragem 9.307/1996), e, o outro, visa a instituir a mediação extrajudicial em nosso ordenamento jurídico.
No que se refere à arbitragem, diante da significativa importância que a participação econômica do Brasil passou a ostentar no mundo globalizado, a despeito de a atual lei, vigente há 16 anos, ser vitoriosa e inclusive prestigiada pelos nossos tribunais, entendeu-se oportuno o seu aperfeiçoamento, procurando alinhá-la aos regramentos contemporâneos mais avançados, já colocados à prova na experiência jurídica internacional.
Mantidos os princípios e os fundamentos normativos da lei em vigor, verifica-se que três vertentes governam as modificações inseridas no anteprojeto, quais sejam: a) ampliação subjetiva e objetiva da incidência da arbitragem; b) maior liberdade das partes na indicação dos árbitros; e c) delimitação da atividade do juiz togado até a instituição da arbitragem.
Assim, pelos termos do anteprojeto, embora já admitida em algumas situações específicas, a arbitragem passa a ser meio adequado de solução dos conflitos que envolvam a Administração Pública direta e indireta, relativamente a direitos patrimoniais disponíveis. Ademais, no que se refere ao alargamento objetivo da arbitragem, propõe-se que a arbitragem também seja possível, nos limites das relações de consumo, apenas quando o consumidor tiver a iniciativa de instituí-la ou, então, na hipótese em que ele expressamente concordar com a sua instituição. Esta mesma faculdade se observa no âmbito dos contratos individuais de trabalho, desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou diretor estatutário.
O anteprojeto consagra, de uma vez por todas, a inserção da convenção de arbitragem no estatuto social das sociedades, desde que respeitado o quorum qualificado do artigo 136 da Lei das S/A, obrigando, de um lado, a todos os acionistas, com as devidas ressalvas, e, de outro, assegurando ao dissidente o direito de retirar-se da companhia.
Já sob outro prisma, procurando conferir maior liberdade às partes, poderão elas indicar livremente os seus respectivos árbitros, cuja admissão, no entanto, fica subordinada ao controle das câmaras arbitrais. Esta novidade, longe de ter natureza procedimental, coaduna-se à própria índole ontológica da arbitragem, no sentido de assegurar ampla e benfazeja autonomia da vontade das partes. Cumpre esclarecer, nesse particular, que esta proposta segue orientação internacional, sendo em tudo análoga a regra constante, entre outros, do Regulamento de Arbitragem da prestigiosa Câmara de Comércio Internacional (CCI).
O anteprojeto estabelece outrossim que a instituição da arbitragem constitui o marco interruptivo da prescrição, mas, a exemplo do que ocorre nos domínios do processo judicial, os seus efeitos retroagem à data do requerimento de instauração da arbitragem, ainda que o respectivo processo seja extinto pela declaração de ausência de jurisdição.
Para não haver dúvida, o texto legal agora proposto, num capítulo específico sobre tutelas cautelar e de urgência, determina que, antes de iniciado o processo arbitral, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário visando à concessão de medidas cautelares e de urgência. Todavia, instituída a arbitragem, o tribunal arbitral tem o poder de manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo juiz estatal. Para tornar mais eficaz a comunicação entre os árbitros e os órgãos do Poder Judiciário, o anteprojeto institui a denominada carta arbitral, já contemplada no atual projeto do CPC, quando for necessário o cumprimento de alguma providência, solicitada pelos árbitros.
O capítulo que disciplina a sentença arbitral, mantida a estrutura coerente da lei em vigor, vem aprimorado, tanto na forma quanto na técnica, com previsão expressa acerca da sentença parcial.
Na sede das disposições finais, o anteprojeto insere duas normas de cunho programático, recomendando ao Ministério da Educação gestão e incentivo para que os cursos de ensino superior incluam em seus respectivos programas a disciplina da arbitragem como mecanismo adequado de resolução dos conflitos, e, ainda, ao CNJ e ao CNMP, que também fomentem a inserção no rol de matérias dos concursos públicos para as carreiras do Poder Judiciário e do Ministério Público a temática alusiva à arbitragem.
Anoto, por fim, que todo esse trabalho se desenvolveu durante mais de cinco meses sob a condução serena, segura e democrática do ilustre ministro Luis Felipe Salomão, num fórum de absoluta cordialidade, sem embargo de eventuais divergências teóricas entre os membros integrantes da Comissão, que souberam, de forma republicana e consensual, respeitar a opinião da maioria em prol da segurança jurídica e do interesse público.
José Rogério Cruz e Tucci é advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP e integrante da Comissão de Juristas para a reforma da Lei de Arbitragem.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 7 de outubro de 2013