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O Projeto de Lei do Senado nº 460, de 2013, que altera a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307, de 1996), tem como objetivo aprimorar o texto legal vigente. É louvável a iniciativa pedagógica em reafirmar o uso da arbitragem como forma de solução de conflitos em contratos com a administração pública (União, Estados, municípios, fundações, autarquias, sociedades de economia mista e empresas públicas). Porém, ao se estabelecer que a arbitragem tenha previsão em edital, a necessidade de regulamento posterior e vedar a decisão por equidade, criam-se amarras que estão na contramão da apregoada iniciativa de modernização do texto legal.
Não se coadunam com a tradição do direito brasileiro as restrições à arbitragem no setor público previstas no projeto. A arbitragem sempre esteve associada ao desenvolvimento nacional. Na época imperial, as primeiras concessões de serviços e obras públicas com as estradas de ferro, a iluminação pública e o transporte fluvial tiveram a arbitragem incorporada nesses contratos. Nunca houve a necessidade de lei específica para autorizar a administração pública a valer-se da arbitragem.
Foi no avoengo texto das Ordenações Filipinas (1603) que Rui Barbosa iniciou estudo e demonstrou que todas as pessoas de direito público podiam se valer da arbitragem para solucionar conflitos. Ainda, para afastar interpretações restritivas na área, o Supremo Tribunal Federal (STF) esclareceu definitivamente a questão, fixando três premissas: a) a existência de lei processual que preveja a arbitragem; b) pode firmar convenção de arbitragem quem pode contratar; e c) a matéria ser de direito disponível. Tudo, portanto, de acordo com o disposto no atual artigo 1º da Lei nº 9.307, de 1996.
Não se coadunam com a tradição do direito as restrições à arbitragem no setor público previstas no Projeto de Lei nº 460
O impulso e incentivo à arbitragem foram ressaltados nas leis das agências reguladoras, parceria público-privada (PPP) e concessões. Enfim, um ambiente promissor para a arbitragem, aliado ao indiscutível viés econômico de sua previsão, gerando economia nos custos de transação e benefícios econômicos para a sociedade e os cofres públicos.
Esse ambiente outorga a segurança jurídica à utilização da arbitragem, que agora se vê ameaçada por sugestões de alteração para área pública que não visualizam a lei como um todo harmônico e sistêmico. Ao se estabelecer que somente poderá existir arbitragem no contrato se estiver prevista no edital de licitação, diminui-se o poder de contratar da administração, amputa-se o direito de firmar posterior compromisso arbitral. Para a administração, somente existirá a convenção de arbitragem na espécie cláusula compromissória. Esta questão já foi definida no STJ em 2011 (REsp 904.813/PR) ao confirmar o poder de contratar da administração e firmar compromisso arbitral, mesmo sem previsão no edital.
O outro empecilho criado condiciona a utilização da arbitragem à regulamentação posterior do executivo. Não se vislumbra quando seria expedido e quais as condições a serem impostas. Tendo como exemplo o que ocorre em outros setores que demandam regulamentação, a iniciativa poderá gerar anos de espera em detrimento de contratações imprescindíveis nas áreas de infraestrutura em mobilidade urbana e logística.
A terceira restrição imposta à administração coíbe o uso da equidade, ou seja, determina que os árbitros somente possam decidir com base nas regras de direito estrito e não conforme a justiça do caso concreto. Com isso, quebra a estrutura harmônica e sistêmica do artigo 2º da lei vigente, que prevê a possibilidade de os árbitros decidirem com base nos princípios de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais do comércio (soft law e lex mercatoria). Isto porque tais disposições estão vinculadas à flexibilidade inerente à arbitragem, que tem na equidade sua etnia.
Para os entes públicos que atuam no exterior em setores autorregulamentados, compromissados com posturas internacionais nas áreas bancárias, de gás e petróleo e outras atividades econômicas vinculadas a padrões de negócios próprios (business standard), essas diretrizes são de acatamento obrigatório, mas não são leis.
Poderá haver situações em que para sociedades de economia mista envolvidas em contratos internacionais seja mais seguro permitir ao árbitro solucionar a questão com base nos princípios gerais de direito internacional, do que aplicar um direito desconhecido ou que tenha base em padrões religiosos.
Mesmo prevendo no contrato a aplicação dessas regras que teriam no poder negocial a força criadora de norma jurídica, no dizer de Miguel Reale, surgirão vozes acoimando-as de ilegais, pois com a desestruturação das premissas inerentes à arbitragem (equidade), estariam vedadas estipulações correlatas.
Se a um primeiro momento essa vedação ao uso da equidade parece afinada ao conceito de legalidade estrita, pelos motivos acima mencionados é um retrocesso desnecessário, pois gera incerteza e turbulência para setores da administração pública, com efeitos perversos para a sociedade. Retirar do projeto de lei a restrição da previsão da arbitragem somente no edital, da fixação de premissas em regulamentação posterior e a vedação do uso da equidade são medidas de bom senso que acompanhariam a adequada evolução da arbitragem no setor público.
Selma Ferreira Lemes é advogada, mestre, doutora pela Universidade de São Paulo (USP) e autora do livro “Arbitragem na Administração Pública. Fundamentos Jurídicos e Eficiência Econômica”, São Paulo, Quartier Latin, 2007