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21 de outubro de 2014, 9h05
Por José Rogério Cruz e Tucci
A arbitragem, a despeito de regulamentação específica pela Lei 9.307/96, em vigor há quase duas décadas, ainda suscita algumas questões que merecem reflexão. Dentre elas, destaca-se a que se refere à existência de cláusula compromissória no título executivo extrajudicial.
Partindo do pressuposto de que a arbitragem sempre implica a instauração de processo de conhecimento, até porque, no modelo brasileiro, a jurisdição arbitral não dá ensejo à invasão patrimonial e respectiva satisfação do crédito, não se afigura possível recorrer-se ao juízo arbitral visando à execução de titulo extrajudicial que contenha obrigação de pagar (v., a respeito, Alexandre Gontijo, Da execução por título extrajudicial em tribunal arbitral, Migallhas).
É esse, aliás, o posicionamento do STJ, como teve oportunidade de decidir a 3ª Turma, no julgamento do Recurso Especial 944.917-SP, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, no sentido de que a cláusula compromissória pode perfeitamente conviver com a natureza executiva do título, não sendo razoável “exigir que o credor seja obrigado a iniciar uma arbitragem para obter certeza sobre uma confissão de dívida que, no seu entender, já consta do título executivo. A efetividade dos direitos, princípio que sustenta o Estado Democrático, exige a simplificação das formas, bastando realmente iniciar a execução forçada. Além disso, é certo que o árbitro não tem poder coercitivo direto, não podendo impor, contra a vontade do devedor, restrições a seu patrimônio, como a penhora, nem excussão forçada de seus bens”.
Verifica-se que o TJ-SP tem, aos poucos, produzido importantes precedentes sobre a convivência da cláusula compromissória inserta num instrumento dotado de eficácia executiva.
A esse respeito, a 10ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, no julgamento do Agravo de Instrumento 9034914-93.2007.8.26.0000, determinou o prosseguimento da execução, entendendo que a pendência da arbitragem para discutir outros aspectos do contrato celebrado entre as partes não constituía motivo suficiente para determinar a suspensão da execução.
Resulta deveras polêmica a situação na qual o executado pretende opor embargos ou objeção de pré-executividade. Enfrentando essa interessante questão, a 12ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, no julgamento da Apelação 0158979-08.2010.8.26.0100, revelou ter presente o limite das atribuições das respectivas jurisdições, ao asseverar que: “Como muito bem exposto pelo magistrado a quo, ‘… a despeito da existência de cláusula compromissória, não se pode olvidar que a oposição de embargos à execução é admissível, conquanto restrita aos pressupostos e requisitos para o exercício da pretensão executiva. De fato, não seria lícito afastar do poder jurisdicional as questões afetas ao processo de execução em curso, relegando-as ao foro arbitral e, assim, desamparar os executados do exercício do direito de defesa. A alegação de incompetência do Poder Judiciário para análise da demanda, pois, não comporta acolhimento’. Contudo, a cláusula que os apelantes alegaram ter resguardado a possibilidade de discussão de todas as questões do contrato perante o juízo estadual (cláusula 7.9) diz apenas com a ação executiva, não possuindo, pois, o alcance desejado. Assim nada há de ilegal na afirmação de que: ‘As demais questões postas, optando as partes livremente pelo juízo arbitral, teriam seu conhecimento defeso pelo poder estatal, afastado de se imiscuir na solução do conflito’…”.
Aplica-se, grosso modo, como se observa, o raciocínio hermêutico da divisão de atribuições, previsto no artigo 747 do CPC.
Sobre o tema, ressaltando que a execução e a arbitragem não são incompatíveis, de modo que esta última não é causa de extinção da primeira, o STJ, a teor de decisão da ministra Nancy Andrighi, nos autos da Medida Cautelar 13.274-SP, determinou a suspensão do processamento da execução após a penhora, tendo em vista a existência de procedimento arbitral em curso, atinente a embargos ou ação declaratória (v., sobre esse ponto, Elias Marques de Medeiros Neto, Espaço Jurídico, 29.07.2008).
Na verdade, opostos embargos à execução, estando seguro o juízo, é, a meu ver, sempre do juiz togado a competência para determinar a suspensão dos atos executivos, mediante requerimento do executado, nos termos do artigo 739-A, I, do CPC.
Outro ponto decorre do deferimento do pedido de recuperação judicial ou mesmo da decretação da quebra. Tais hipóteses determinam a suspensão ou extinção do arbitragem?
Como assevera, a propósito, o colega Rodolfo Amadeo, em recente palestra proferida na Escola Paulista da Magistratura, poderia haver aí certa dúvida, diante da indisponibilidade dos direitos ou ainda em razão da vis attractiva do juízo da falência.
Seja como for, a Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais do TJ-SP, no julgamento do Agravo de Instrumento 9044554-23.2007.8.26.0000, de relatoria do desembargador Pereira Calças, instada a se debruçar sobre a questão, inclusive no que se refere à intervenção, no processo arbitral, do administrador judicial, assentou que: “Inadimplemento contratual gerador de resolução do contrato e formulação de demanda perante a Câmara de Arbitragem. Posterior decretação da falência da demandada. Intervenção do Administrador Judicial da Massa Falida no procedimento arbitral, com alegação de incompetência do Juízo Arbitral, em face da falta de capacidade processual da falida e indisponibilidade dos bens da devedora, com base no artigo 25, da Lei 9.307/96, sustentando dever a demanda ser atraída para o juízo universal da falência. Prosseguimento da demanda arbitral com condenação da devedora na indenização fixada pela Câmara de Arbitragem. Aplicabilidade do artigo 6º, parágrafo 1º, da Lei 11.101/2005, eis que, versando a demanda sobre quantia ilíquida, o processo não é suspenso em virtude da falência da devedora, inexistindo a ‘vis attractiva’ do artigo 76, ‘caput’, devendo o procedimento arbitrai prosseguir com o administrador judicial que representará a massa falida, sob pena de nulidade”.
Secundando esse ponto de vista, a 4ª Câmara de Direito Privado, por ocasião do julgamento nos Embargos de Declaração n. 0349971-66.2009.8.26.0000, cujo voto condutor é da lavra do Des. Maia da Cunha, também patenteou que: “a superveniência da massa falida e indisponibilidade de seus bens não impede a aplicação da Lei 9.307/96, prosseguindo-se o processo de arbitragem com a participação do administrador judicial”.
Aduza-se que se a quebra se deu antes da instauração da arbitragem, a 35ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, no julgamento da Apelação 0176616-06.2009.8.26.0100, proferiu acórdão prestigiando a vontade das partes, ao proclamar que: “a decretação da falência da apelante, após a celebração do contrato não constitui fato novo hábil a obstar o cumprimento de convenção de arbitragem pactuada anteriormente à quebra, por falta de amparo legal”.
É de concluir-se com a observação de que, apesar da existência destes significativos precedentes, esta temática encontra-se aberta para ulteriores reflexões, estando a exigir, pela sua inequívoca relevância, análise doutrinária mais profunda e tópica!
José Rogério Cruz e Tucci é advogado, diretor e professor titular da Faculdade de Direito da USP e ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 21 de outubro de 2014, 9h05

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