Antes de propor uma ação na Justiça, quem busca um direito deve procurar solução para o conflito por meio da mediação pré-processual, de caráter obrigatório. A ideia foi defendida por convidados de audiência pública realizada nesta quarta-feira (28), para debater a nova Lei de Arbitragem, que também poderá estabelecer regras gerais sobre mediação. A comissão de juristas que deve preparar o anteprojeto da Lei de Arbitragem vem promovendo debates desde segunda-feira (26) para recolher sugestões à proposta. As audiências seguem até sexta-feira (30).
O juiz Ricardo Pereira Júnior, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), lembrou que um dos princípios do Direito é o de que a ação judicial deve esperar o esgotamento de todos “meios dissuasórios” possíveis. A seu ver, esse requisito não vem tendo valor prático, o que justifica a adoção da mediação pré-processual obrigatória.
– Por que não elevar esse requisito, que hoje é apenas uma récita, à condição de pressuposto pré-processual demonstrativo do interesse de agir? – indagou.
Coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadanias, na esfera do TJSP, o juiz apresentou durante a audiência dados sobre o desempenho desse órgão, que atua como apenas 11 funcionários, para demonstrar as vantagens da solução de conflitos pela mediação. Em 2012, de um total de 29.953 processos registrados, houve conciliação em 10.049 (54%).
A seu ver, esse percentual de sucesso é relevante, indicando que mais da metade dos processos judiciais poderiam não existir se os conflitos tivessem passados antes pela tentativa de conciliação. Conforme o juiz, em São Paulo hoje existe 70 unidades do Cejusc, duas na capital e o restante no interior. Ele disse que o núcleo foi a primeira experiência sistemática de conciliação depois que o Conselho Nacional de Justiça regulamentou a prática (Resolução 125).
Nova cultura
A mediação pré-processual obrigatória foi também defendida por Ana Lúcia Pereira, do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima). Com essa medida, ele acredita que será criada a cultura da mediação no país. Definida essa regra, Ana Lúcia defendeu que as partes possam escolher com autonomia entre a mediação pública e (ou) judicial ou privada.
Na mediação pública e (ou) judicial, sugeriu Ana Lúcia Pereira, o poder público deve custear o pagamento dos mediadores para atender à população de baixa renda (em parceria com associações, universidades e Defensorias Públicas, por exemplo). Na medição privada, o pagamento seria livremente contratado e regulado pelas leis do mercado.
Ana Lúcia disse ainda que, para a Conima, na mediação judicial pode-se exigir a participação de advogado no processo. Porém, na mediação privada, contratar um advogado ou mediador com outra formação profissional deve ser escolha restrita ao desejo das partes. Assim como ela, Roberto Pasqualin, do Centro de Arbitragem da Câmara Americana de Comércio no Brasil, rejeitou a exigência de cadastramento para os mediadores no campo provado, além de regulação abrangente para a atividade.
– Na esfera privada, não há necessidade de regulação extensa, exceto para dar efeitos jurídicos ao cumprimento dos acordos construídos – defendeu Pasqualin.
Pela Associação Nacional dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), Rogério Portugal Bacellar, que preside a entidade, reivindicou que a lei garanta aos cartórios o poder de atuar com agentes de mediação. Ele observou que no dia-a-dia os cartórios se defrontam com situações de conflitos que podem ajudar a pacificar de maneira ágil, como nos casos de inventário e divórcio.
Conflitos trabalhistas
Aldovandro Teles Torres, da Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem Empresarial (CACB), defendeu a aplicação da arbitragem – em que o acordo privado ganha efeito de sentença judicial – na solução de conflitos trabalhistas. Hoje a legislação impede esse tipo de solução com base na tese da “hiposuficiência” do trabalhador (relativa incapacidade para se defender perante o empregador) e da indisponibilidade do direito trabalhista (o titular não pode abrir mão).
Apesar disso, Aldovandro observou que os acordos fechados na esfera judicial trabalhista fica muitas vezes muito aquém das pretensões do trabalhador, demonstrando que esses direitos já são disponíveis ou que o autor “agiu com má-fé”, reivindicando valor elevado para “enriquecer ilicitamente”.
Ao falar da mediação nas relações de consumo, Amaury Oliva, da Secretaria Nacional do Consumidor, disse que no país não faltam leis nem procedimentos para proteger o consumidor, mas sim “respeito das empresas”. Assim, avalia que a arbitragem não muda o quadro existente, ficando indispensável a atuação do Estado como agente de proteção.
Arbitragem administrativa
Simone Andréia Pinto Ambrósio, da União dos Advogados Públicos Federais (Unafe), falou sobre as atividades da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF). Criada em 2007, essa entidade tem por finalidade prevenir e reduzir o número de litígios judiciais envolvendo a União, suas autarquias, fundações, empresas e outros órgãos, entre si e ainda nos casos relacionados aos estados, municípios e seus respectivos órgãos.
Simone observou que os cinco maiores litigantes do país são órgãos públicos, sendo o maior deles o INSS. Lembrou que metade dos processos que tramitam no Judiciário envolve entes públicos. Questionada, ela disse, porém, que ainda não é permitida a conciliação entre os órgãos públicos e particulares.
Ciclo de audiências
A comissão de juristas que trata da reforma da Lei de Arbitragem vem promovendo debates desde segunda-feira (26) para recolher sugestões à proposta. As audiências seguem até sexta-feira (30) no Senado.
O colegiado foi instituído em abril pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. Os juristas devem entregar o anteprojeto de Lei de Arbitragem até o dia 30 de setembro. O presidente da comissão é o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luis Felipe Salomão.
Fonte: Agência Senado