Introdução
Um dos maiores problemas que sempre assolou o sistema tributário brasileiro, e que vem crescendo nos últimos anos, é o elevado índice de litígios tributários existentes, sejam eles no âmbito administrativo ou judicial.
Este enorme contingente de processos tributários traz consequências negativas não só para os contribuintes (que acabam arcando com honorários advocatícios, pagamento de garantias, certidões negativas, etc) como também para o próprio fisco que deixar de arrecadar cada vez mais, tendo em vista a necessidade de sempre dar início a procedimentos que visam a discussão da exigibilidade/incidência  dos tributos objetos de litígios. Raros são os casos nos quais os contribuintes não optam pela discussão (administrativa ou judicial) da exigência de tributos, o que se dá em função da enorme insegurança jurídica existente hoje no sistema tributário brasileiro.
O estado brasileiro vem buscando diversas formas diminuir esse elevado grau de litígios tributários existentes atualmente. Para tanto, podemos citar a implementação cada vez maior do instituto da transação tributária, dos programas de parcelamentos e também da aprovação da reforma tributária (que tem por objetivo simplificar o sistema arrecadatório nacional).
Não obstante as alternativas supracitadas, as discussões acerca da diminuição dos litígios tributários, e consequentemente de uma arrecadação mais eficiente, vem trazendo um novo tema que, até pouco tempo atrás era inimaginável no direito brasileiro, qual seja, a implementação da arbitragem tributária.
Todavia, muitas dúvidas surgiram em relação à implementação de referida alternativa. Dentre elas, a de maior relevância se deu acerca da impossibilidade de o Estado delegar à iniciativa privada, qualquer questão relacionada ao recolhimento de tributos, posto que a cobrança de tributos é um dever indisponível do estado, cabendo a este resolver questões de direito relacionadas às cobranças tributárias.
Impossibilidade de instituição de acordo com a atual legislação (necessidade de emenda constitucional)
O Poder de arrecadação e de dizer o direito, em matéria tributária, é única e exclusivamente do estado. Desta forma, não poderia ser transferido ao poder privado decidir sobre questões de direito público que devem ser deliberadas apenas pelo estado brasileiro.
A atual legislação arbitral (lei 9.037/96) possibilita a utilização da via arbitral pela administração pública. Entretanto, referida possibilidade é condicionada aos casos em que se busca dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Não obstante, o mesmo diploma legal ainda determina que a arbitragem que envolva a administração pública será sempre relacionadas a questões exclusivas de direito.
Assim, a possibilidade de a administração pública buscar a via arbitral se demonstra excessivamente restrita e, no que diz respeito a matérias tributárias, inviáveis.
Necessário então buscar alterações na legislação que possibilitem a aplicação do tribunal arbitral para resolver conflitos de matérias tributárias.
Do cabimento e necessidade de implementar a arbitragem tributária no Brasil
Primeiramente, cumpre destacar que a via arbitral já vem sendo utilizada no Brasil em outras áreas do direito, com enorme aceite por parte das parte envolvidas no litígio.
Feita tal afirmação, resta demonstrar como se daria a implementação da arbitragem tributária.
Pois bem, para que se possibilite tal implementação é necessária a criação de uma legislação especial que institua a arbitragem tributária no brasil. Para tanto, tem-se o projeto de lei 4.257/19 que prevê a inclusão da arbitragem tributária no sistema jurídico brasileiro (além de prever e implementação da execução fiscal administrativa).
Em breve resumo, referido projeto busca modificar a LEF (Lei das Execuções Fiscais) permitindo ao executado a opção pela adoção de juízo arbitral, caso a execução fiscal esteja garantida por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia.
Entretanto, defensores da tese de inconstitucionalidade da arbitragem tributária, sustentam que referida legislação especial estaria contrariando princípios constitucionais que norteiam o sistema normativo tributário brasileiro, haja vista que a indisponibilidade acerca da arrecadação de tributos tem como base o princípio do supremacia do interesse público e o princípio da legalidade. Ou seja, não poderia o estado simplesmente dispor o seu dever de julgar matéria de matéria tributária, transferindo tal competência à iniciativa privada, pois caberia exclusivamente ao judiciário deliberar sobre tais matérias.
Tal argumento, no entanto, é facilmente combatido sob a ótica de que a abertura e flexibilização do estado para questões tributárias se demonstra cada vez mais presentes. Veja-se, por exemplo, a implementação cada vez maior de transação tributária ou o fim do voto de qualidade no âmbito do CARF (pró contribuinte). Ademais, o próprio Supremo Tribunal Federal já se pronunciou favoravelmente à tese de que o processo arbitral de natureza jurídica jurisdicional, não sendo possível uma revisão judicial!
Importa destacar, aliás, que em algumas situações a possibilidade resolução de conflitos de matéria tributária pela via do processo arbitral já é aceita no Brasil, nos casos em que a discussão é realizada, por exemplo, por empresa pública. Veja-se, a título exemplificativo, litígios envolvendo o BACEN e a RFB, no qual se discutia a cobrança de contribuição previdenciária patronal. No caso em questão, o Parecer AGU/SRG 01 de 2007, consagrou o entendimento de que o CCAF (Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal) possuía competência para resolver conflitos de matéria tributária. Assim, não nos parece coerente a possibilidade de existir uma Câmara de Arbitragem para tratar de litígios de entes vinculados à administração pública, sem que tal medida possa abranger também pessoas jurídicas de direito privado.
Voltando ao projeto de lei 4.257/19 discutido hoje no senado federal, o mesmo insere a regra do procedimento arbitral para o processamento dos embargos à execução, de maneira que, após o julgamento do embargo, deverá ser possibilitada a imediata satisfação do crédito, tendo em vista que o devedor poderá garantir a dívida por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, o que permitirá à Fazenda Pública, ao vencer o julgamento, levantar o valor e extinguir a execução, sem todo procedimento que uma execução fiscal atual lhe impõe.
O projeto não prevê a que o procedimento arbitral seja condicionado a determinados assuntos ou tributos em específico, mas sim que a câmara arbitral será condicionada a valores baseados em parâmetros mínimos fixados por cada ente da federação. Cabe ainda destacar que a opção pela arbitragem é exclusiva do contribuinte (respeitando os requisitos determinados pela legislação), cabendo apenas a notificação da Administração Pública sobre a instauração do procedimento arbitral e a celebração da convenção de arbitragem pela autoridade competente.
Por fim, cai por terra qualquer argumento no sentido de que as decisões arbitrais estariam contrariando entendimento pacificado do judiciário (e confrontando o interesse público), na medida em que o projeto lei prevê também que “qualquer das partes pode pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a declaração de nulidade caso a sentença arbitral contrarie enunciado de súmula vinculante, decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade ou acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas, incidente de assunção de competência, recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida e recursos extraordinário ou especial repetidos”.
Como se verifica, portanto, o projeto de lei em discussão hoje no Senado Federal traz a possibilidade legal de se implementar a arbitragem tributária no sistema normativa brasileiro, tendo em vista a clara demonstração de que conflitos em matéria tributária podem sim ser dirimidos pela via arbitral sem ferir o dever do estado em deliberar sobre matéria tributária, de tal forma que a instituição desta via extraordinária traria benefícios tanto aos contribuintes como ao estado brasileiro, na medida em que diminuiria consideravelmente o número de litígios tributários existentes atualmente.
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Por Lucas Simões de Andrade, graduado em direito na PUC/SP. LLM em Direito Tributário pelo INSPER (cursando). Advogado tributarista e associado da Bettamio Vivone e Pace Advogados Associados.
Fonte: Migalhas, quinta-feira, 6 de agosto de 2020
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