O crescimento relativo de economias emergentes (Brics), e a relativa estagnação em mercados desenvolvidos, foi um dos principais fatores de aumento de IED (investimento estrangeiro direto, FDI em inglês) nesses países na última década. Além do fluxo de “capital especulativo” buscando taxas de retorno mais atrativas, e obviamente com maior potencial de risco associado, muitos investimentos na “economia real” também prosperaram. No Brasil, este quadro de abundância já foi revertido, e o que veremos agora é um crescimento nas disputas judiciais em muitos destes investimentos da última década, segundo dados do Banco Central.

FDI 2003 2004 2005 2006 2007 2008
(BRL) Billion 12.902,41 20.265,34 21.521,57 22.231,30 33.704,58 43.886,30
FDI 2009 2010 2011 2012 2013
(BRL) Billion 30.443,97 48.000,00 66.600,00 65.000,00

Embora não haja estatísticas precisas sobre o número de arbitragens em curso no Brasil, ou ainda, o número de contratos (aquisições, joint-ventures etc) que estabelecem cláusulas arbitrais para resoluções de conflito, há um consenso entre os praticantes do setor que este número é bastante alto e tende a crescer ainda mais nos próximos anos. No gráfico abaixo, por exemplo, percebemos um aumento substancial do número de arbitragens que se seguiu à crise de 2008.

Do ponto de vista de empresas multinacionais que investiram no Brasil, vemos três motivos para predizer este crescimento no número de disputas.

Como mencionado acima, com o aumento da globalização e crise econômica em países desenvolvidos, houve um crescimento de investimentos em países emergentes como o Brasil.

Em segundo lugar, estes mercados emergentes apresentam processos para resolução de disputas e práticas legais em que estas empresas não estão acostumadas. Para muitos novos investidores, não havia um histórico de entendimento dos riscos e cuidados de se investir em novos mercados.

E finalmente, muitos destes investimentos são baseados em acordos bilaterais que estabelecem que eventuais disputas serão resolvidas através de alguma forma de arbitragem internacional.

No Brasil, com vários setores já em crise (construção civil, sucroalcoleiro, energia) esta situação anuncia um crescente em número de arbitragens, e outras formas de resolução de conflitos. Abaixo três exemplos de empresas estrangeiras que investiram no Brasil nos últimos dez anos, e que estão passando por problemas:

Um importante fundo de private equity adquiriu o controle de uma incorporadora local alguns anos atrás. Com a crise da empresa, o fundo assumiu 100% do controle e agora tenta reestruturar o negócio;

Uma importante empresa de energia entrou como sócia numa empresa nacional já existente. Hoje, a nova sócia está considerando iniciar uma arbitragem contra os outros sócios questionando os gastos com novos projetos bem acima do previamente orçado, e retornos nos negócios existentes bem abaixo do previsto;

Uma empresa americana de capital aberto tinha como seu principal cliente local uma empresa brasileira no setor de bens de consumo. Com problemas comerciais crescentes, iniciaram um processo arbitral, que ao final condenou o pagamento dos valores devidos. Porém, logo em seguida este ex-cliente entrou em recuperação judicial;

Arbitragem
Uma outra perspectiva deste crescimento em disputas versus crise econômica refere-se à oferta de serviços em resolução de disputas.

E me permito fazer um breve aparto pessoal. Há mais de 15 anos dedico uma parte substancial da minha atividade profissional a auxiliar advogados e seus clientes a resolverem situações de conflito (fraude, corrupção, disputas societárias etc) investigando casos, ou produzindo relatórios técnicos para disputas. E com frequência explico aos meus colegas que o “nome do jogo mudou”, de apoio a litígios para apoio a arbitragens. Há alguns meses almocei com um sócio de contencioso de um grande escritório brasileiro, e perguntei-lhe de sua estimativa sobre o número de litígios entre grandes empresas no Judiciário brasileiro versus casos ocorrendo em câmaras arbitrais. Sua resposta foi simples: Eduardo, nem me lembro quando foi a última vez que fui ao TRF para defender um cliente numa disputa societária, tudo agora se faz em câmaras arbitrais.

Nos encontros de arbitragem de que participo é comum ver de um lado um número crescente de jovens advogados empenhados em se especializar neste segmento, e por outro lado advogados mais antigos que falam dos tempos de outrora em que tinham dificuldade em convencer seus clientes a optar por estes caminhos. No último congresso latino-americano, em abril último em Lima, houve o lançamento do livro, Arbitragem Internacional: passado, presente e futuro, no contexto das homenagens a dois ícones deste trabalho de divulgação da arbitragem como alternativa à disputa de conflitos, os doutores Bernardo Cremades e Yves Derains. Segundo representante da ICC presente, os casos de arbitragem em Paris que envolvem transações ocorridas na América Latina saltaram de menos de 10% para mais de 15% em dez anos.

Mudanças em escritórios
Em diversas sociedades de advogados multidisciplinares com quem trabalhamos estamos escutando histórias similares de uma mudança profunda nas demandas por seus serviços. Até pouco tempo atrás os sócios dedicados a transações (fusões, aquisições etc) eram os que mais contratavam advogados, e estavam entre os mais bem remunerados. Já há alguns meses, sócios de contencioso e de reestruturação de empresas são agora os mais demandados.

Há um ano os projetos de due dilligence, know your client, background check etc eram uma fonte importante de receita no mercado em que atuo. Hoje, meus colegas estão mais dedicados a projetos de apoio a crise (apoio a arbitragens e litígios, recuperação judicial, renegociação de dívidas, gestão de pleitos, gestão de crise do ponto de vista de mídia, investigação eletrônica etc).

Se eu tivesse que apostar ou fazer previsões, ambas coisas que não me atraem muito, diria que escritórios de advocacia dedicados a questões de contencioso e arbitragem têm pela frente um período de muita prosperidade. Assim como outros escritórios multidisciplinares onde o contencioso é forte.

Eduardo Sampaio é presidente da FTI Consulting no Brasil.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 7 de agosto de 2013

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