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A reforma da lei de Arbitragem, sancionada pelo vice-presidente Michel Temer e publicada no DOU de 27/05/15, entrou em vigor na semana de 27/7/15.
A ementa da supramencionada reforma expressa que esta altera as leis 9.307/96 e 6.404/76, para, em suma: ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem; regulamentar sobre a escolha dos árbitros; prever a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem; estabelecer sobre a concessão de tutelas de urgência; dispor sobre a carta arbitral e a sentença arbitral e revogar dispositivos da lei 9.307/96.
Desse modo, importante tecer breves comentários quanto às principais inovações e alterações com o advento da reforma da lei de arbitragem.
Primeiramente, quando se menciona que um dos objetivos da modificação da lei consistiria em ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem, poder-se-ia afirmar que esse alargamento seria viabilizado pela regulamentação da aplicação da arbitragem em litígios em que figura como parte a Administração Pública Direta e Indireta.
Para efetivar o mencionado, houve o acréscimo de dois parágrafos ao artigo 1º da lei 9.307 de 1996 dispondo que “§ 1o A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”, e “§ 2o A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações”.
Ainda sobre este aspecto, houve a inclusão do § 3º ao Art. 2º da lei 9.307 de 1996 para determinar que a arbitragem que envolva a Administração Pública será sempre de direito (portanto, não por equidade) e respeitará o princípio da publicidade.
É de salutar importância mencionar que a participação da Administração Pública em arbitragens, embora enquanto não regulamentada, já era aceitável e pacífica, posto que diversas leis ordinárias disciplinavam essa possibilidade, como por exemplo a lei dos Portos (art. 61, § 1º da lei 12.815/13), a Lei das Concessões (art. 23-A da Lei nº 8.987/1995) e a Lei das Parcerias Público-Privadas (art. 11, III, da Lei 11.079/2004), além dos precedentes dos Tribunais Superiores. Vejamos:
“INCORPORAÇÃO, BENS E DIREITOS DAS EMPRESAS ORGANIZAÇÃO LAGE E DO ESPOLIO DE HENRIQUE LAGE. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA DE IRRECORRIBILIDADE. JUROS DA MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. LEGALIDADE DO JUÍZO ARBITRAL, QUE O NOSSO DIREITO SEMPRE ADMITIU E CONSAGROU, ATÉ MESMO NAS CAUSAS CONTRA A FAZENDA. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2. LEGITIMIDADE DA CLÁUSULA DE IRRECORRIBILIDADE DE SENTENÇA ARBITRAL, QUE NÃO OFENDE A NORMA CONSTITUCIONAL. 3. JUROS DE MORA CONCEDIDOS, PELO ACÓRDÃO AGRAVADO, NA FORMA DA LEI, OU SEJA, A PARTIR DA PROPOSITURA DA AÇÃO. RAZOAVEL INTERPRETAÇÃO DA SITUAÇÃO DOS AUTOS E DA LEI N. 4.414, DE 1964. 4. CORREÇÃO MONETÁRIA CONCEDIDA, PELO TRIBUNAL A QUO, A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DA LEI N. 4.686, DE 21.6.65. DECISÃO CORRETA. 5. AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE NEGOU PROVIMENTO”. (STF – AI 52181 / GB – GUANABARA – RELATOR MINISTRO BILAC PINTO. Data do Julgamento: 14/11/73). Grifo nosso.
“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LICITAÇÃO. ARBITRAGEM. VINCULAÇÃO AO EDITAL. CLÁUSULA DE FORO. COMPROMISSO ARBITRAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO FINANCEIRO DO CONTRATO. POSSIBILIDADE. 1. A fundamentação deficiente quanto à alegada violação de dispositivo legal impede o conhecimento do recurso. Incidência da Súmula 284/STF. 2. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. 3. A ausência de decisão sobre os dispositivos legais supostamente violados não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula 211/STJ. 4. Não merece ser conhecido o recurso especial que deixa de impugnar fundamento suficiente, por si só, para manter a conclusão do julgado. Inteligência da Súmula 283 do STF. 5. Tanto a doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público, notadamente pelas sociedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas compromissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos. 6. O fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato celebrado entre as partes não invalida o compromisso arbitral firmado posteriormente. 7. A previsão do juízo arbitral, em vez do foro da sede da administração (jurisdição estatal), para a solução de determinada controvérsia, não vulnera o conteúdo ou as regras do certame. 8. A cláusula de eleição de foro não é incompatível com o juízo arbitral, pois o âmbito de abrangência pode ser distinto, havendo necessidade de atuação do Poder Judiciário, por exemplo, para a concessão de medidas de urgência; execução da sentença arbitral; instituição da arbitragem quando uma das partes não a aceita de forma amigável. 9. A controvérsia estabelecida entre as partes – manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato – é de caráter eminentemente patrimonial e disponível, tanto assim que as partes poderiam tê-la solucionado diretamente, sem intervenção tanto da jurisdição estatal, como do juízo arbitral. 10. A submissão da controvérsia ao juízo arbitral foi um ato voluntário da concessionária. Nesse contexto, sua atitude posterior, visando à impugnação desse ato, beira às raias da má-fé, além de ser prejudicial ao próprio interesse público de ver resolvido o litígio de maneira mais célere. 11. Firmado o compromisso, é o Tribunal arbitral que deve solucionar a controvérsia. 12. Recurso especial não provido”. (STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 – PR (2006/0038111-2), RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI, Data do Julgamento: 20/10/2011). Grifo nosso.
“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PERMISSÃO DE ÁREA PORTUÁRIA. CELEBRAÇÃO DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. JUÍZO ARBITRAL. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. ATENTADO. 1. A sociedade de economia mista, quando engendra vínculo de natureza disponível, encartado na mesma cláusula compromissória de submissão do litígio ao Juízo Arbitral, não pode pretender exercer poderes de supremacia contratual previsto na Lei 8.666/93. 2. A decisão judicial que confere eficácia à cláusula compromissória e julga extinto o processo pelo “compromisso arbitral”, se desrespeitada pela edição de Portaria que eclipsa a medida afastada pelo ato jurisdicional, caracteriza a figura do “atentado” (art. 880 do CPC) (…) 5. Questão gravitante sobre ser possível o juízo arbitral em contrato administrativo, posto relacionar-se a direitos indisponíveis. 6. A doutrina do tema sustenta a legalidade da submissão do Poder Público ao juízo arbitral, calcado em precedente do E. STF, in litteris: “Esse fenômeno, até certo ponto paradoxal, pode encontrar inúmeras explicações, e uma delas pode ser o erro, muito comum de relacionar a indisponibilidade de direitos a tudo quanto se puder associar, ainda que ligeiramente, à Administração.” Um pesquisador atento e diligente poderá facilmente verificar que não existe qualquer razão que inviabilize o uso dos tribunais arbitrais por agentes do Estado. Aliás, os anais do STF dão conta de precedente muito expressivo, conhecido como ‘caso Lage’, no qual a própria União submeteu-se a um juízo arbitral para resolver questão pendente com a Organização Lage, constituída de empresas privadas que se dedicassem a navegação, estaleiros e portos. A decisão nesse caso unanimemente proferida pelo Plenário do STF é de extrema importância porque reconheceu especificamente ‘a legalidade do juízo arbitral, que o nosso direito sempre admitiu e consagrou, até mesmo nas causas contra a Fazenda.’ Esse acórdão encampou a tese defendida em parecer da lavra do eminente Castro Nunes e fez honra a acórdão anterior, relatado pela autorizada pena do Min, Amaral Santos. Não só o uso da arbitragem não é defeso aos agentes da administração, como, antes é recomendável, posto que privilegia o interesse público.” (in “Da Arbitrabilidade de Litígios Envolvendo Sociedades de Economia Mista e da Interpretação de Cláusula Compromissória”, publicado na Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, Editora Revista dos Tribunais, Ano 5, outubro – dezembro de 2002, coordenada por Arnold Wald, esclarece às páginas 398/399).7. Deveras, não é qualquer direito público sindicável na via arbitral, mas somente aqueles cognominados como “disponíveis”, porquanto de natureza contratual ou privada (…)”. (STJ – MS 11308 / DF 2005/0212763-0 – Ministro LUIZ FUX – Data do Julgamento 09/04/2008). Grifos nossos.
Outra alteração realizada na lei de Arbitragem é aquela tocante à lista de árbitros, posto que foi modificado o parágrafo 4º do artigo 13 da mencionada lei, de modo que “As partes, de comum acordo, poderão afastar a aplicação de dispositivo do regulamento do órgão arbitral institucional ou entidade especializada que limite a escolha do árbitro único, coárbitro ou presidente do tribunal à respectiva lista de árbitros, autorizado o controle da escolha pelos órgãos competentes da instituição, sendo que, nos casos de impasse e arbitragem multiparte, deverá ser observado o que dispuser o regulamento aplicável”.
Isso revela a faculdade que as partes possuem em escolher outros árbitros que não os credenciados pelo órgão arbitral institucional ou entidade especializada, privilegiando a autonomia das partes.
Quanto à interrupção da prescrição, tal inovação vem para dirimir a questão, não deixando margem a diferentes interpretações, de modo que as alterações realizadas no artigo 19 da lei em comento, as quais acresceram dois parágrafos ao referido artigo, regulamentam que a instituição da arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo à data do requerimento de sua instauração.
A sentença parcial encontrou sua regulamentação nas alterações realizadas na lei de Arbitragem, já que o parágrafo 1º do artigo 23 da mencionada lei expressa a possibilidade de ser proferida sentença parcial pelos árbitros.
Outra interessante reforma realizada na arbitragem se refere à extensão de determinados prazos, os quais podem, inclusive, ser acordados entre as partes. O artigo 30 deixa evidente essa possibilidade tanto em seu caput, quanto em seu parágrafo único, ao expressar que: “Art. 30. No prazo de 05 (cinco) dias, a contar do recebimento da notificação ou da ciência pessoal da sentença arbitral, salvo se outro prazo for acordado entre as partes, a parte interessada, mediante comunicação à outra parte, poderá solicitar ao árbitro ou ao tribunal arbitral que (…). Parágrafo único. O árbitro ou o tribunal arbitral decidirá no prazo de 10 (dez) dias ou em prazo acordado com as partes, aditará a sentença arbitral e notificará as partes na forma do art. 29”.
A lei 13.129/15, em comento, altera o art. 32 em seu inciso I, para admitir a nulidade da sentença arbitral não apenas quando for nulo o compromisso arbitral, mas também quando for nula a convenção de arbitragem, que inclui a cláusula compromissória.
Além do mencionado acréscimo do parágrafo 4º ao artigo 33, este em seu caput alterou o termo “decretação da nulidade da sentença arbitral” para “declaração de nulidade da sentença arbitral”. Ademais, alterou o seu parágrafo 3º expressando que “a declaração de nulidade da sentença arbitral também poderá ser arguida mediante impugnação, conforme o art. 475-L e seguintes da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), se houver execução judicial”.
Cumpre acrescentar que o artigo 1.061 do CPC (lei 13.105/15) na sequência, quanto à redação do caput do mencionado artigo 33 da Lei de Arbitragem, prevê a seguinte redação: “§ 3o A decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser requerida na impugnação ao cumprimento da sentença, nos termos dos arts. 525 e seguintes do Código de Processo Civil, se houver execução judicial.”
As alterações, ainda, serviram para algumas correções, tais como aquelas expressas nos artigos 35 e 39 da lei de Arbitragem em que se reconheceu a competência do STJ e não mais do STF para homologar a sentença arbitral estrangeira.
No Capítulo IV-A houve a previsão de que as partes podem requerer tutelas de urgência, antes de instituída a arbitragem.
Expressa o parágrafo único do artigo 22-A que “Cessa a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de efetivação da respectiva decisão”.
Explica, ainda, o art. 22-B que instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida de urgência concedida pelo Poder Judiciário. Todavia, se já estando instituída a arbitragem, a medida de urgência deverá ser requerida diretamente aos árbitros.
O Capítulo IV-B, com seu artigo 22-C, regulamentou a Carta Arbitral, que consiste em uma carta expedida pelo árbitro ou pelo tribunal arbitral para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro.
Sabe-se que a carta arbitral é uma importante forma de interlocução entre o Judiciário e o Juízo Arbitral. Assim, será expedido um instrumento que facilitará a realização de medidas coercitivas requeridas pelos árbitros ao Judiciário.
Sabe-se que o Código de Processo Civil (lei 13.105/15) trouxe ampla regulamentação sobre o tema, ao dispor sobre a carta arbitral nos artigos 237, inciso IV e 260 § 3º. Outrossim, dispôs que a carta arbitral seria categoria de cooperação jurisdicional entre os órgãos (art. 69, § 1º).
A lei 13.129/15, em comento, fortaleceu a utilização da arbitragem nos conflitos societários, acarretando mudanças na lei 6.404/76 que passou a vigorar acrescida do art. 136-A na Subseção “Direito de Retirada” da Seção III do Capítulo XI: “Art. 136-A. A aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observado o quórum do art. 136, obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 45. § 1o A convenção somente terá eficácia após o decurso do prazo de 30 (trinta) dias, contado da publicação da ata da assembleia geral que a aprovou. § 2o O direito de retirada previsto no caput não será aplicável: I – caso a inclusão da convenção de arbitragem no estatuto social represente condição para que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação em segmento de listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% (vinte e cinco por cento) das ações de cada espécie ou classe; II – caso a inclusão da convenção de arbitragem seja efetuada no estatuto social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado, nos termos das alíneas “a” e “b” do inciso II do art. 137 desta Lei”.
Com relação às revogações, além das já mencionadas, revogou-se o parágrafo 4º do artigo 22, que expressava: “§ 4º Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa”. Isso se deu, portanto, pela possibilidade de se pleitear a concessão de medida de urgência (artigos 22-A e 22-B).
É significativa e importante a reforma da lei de Arbitragem, a qual deve ser interpretada em conjunto com a recente reforma do Código de Processo Civil.
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Por Elias Marques de Medeiros Neto, Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Natalia Ruiz Ribeiro, especialista em Direito pela EPD. Bacharel em Direito pela Unisanta; e Carolina de Souza Tuon, graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
Fonte: Migalhas, Quinta-Feira, 6 de agosto de 2015
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