Há espaço para a advocacia na mediação de conflitos?
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Por André Gomma de Azevedo
Historicamente o Poder Judiciário Brasileiro preocupou-se pouco, até o início do Movimento pela Conciliação no Conselho Nacional de Justiça, em 2006, com o conforto e valorização de advogados em sessões de conciliação. De fato, mesmo após oito anos desse projeto, nota-se grande desconforto de alguns advogados que já viveram situações de constrangimento por parte de conciliadores ou mesmo magistrados, frequentemente muito bem intencionados mas com capacitação deficiente, conduzindo conciliações.
De um lado, havia (e certamente ainda há, em algumas localidades com deficiência de capacitação) pressões inoportunas de conciliadores para que o jurisdicionado abra mão de direitos – o que não é sequer legítimo ou legal, pois em muitos casos viola-se os princípios do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal. Isto sem comentar as situações inusitadas em que advogados são solicitados a aguardar fora da sala de conciliação para se facilitar o acordo. Por outro lado, há um problema de adequada e digna remuneração do próprio causídico. Isto porque ao final de um litigio o esforço do causídico é, ao menos em parte, recompensado pelos honorários sucumbenciais. Já quando há esmero para se encontrar uma solução consensuada este trabalho mostra-se frequentemente recompensado por um constrangedor momento de debate em público sobre os honorários devidos ao advogado. Nesses momentos, certamente muitos advogados devem se perguntar: há espaço para advogados em conciliações e mediações?
A doutrina[1] internacional tem sido uniforme no entendimento de que o advogado exerce um importante papel que é o de apresentar soluções criativas para que se atendam aos interesses das partes bem como o de esclarecer quais os direitos de seus representados. Um advogado que tenha o seu valor reconhecido pelo conciliador ou pelo mediador e que, por meios de técnicas apropriadas seja estimulado a tanto, tende a desenvolver-se de forma criativa com condutas apropriadas para a eficiente resolução da disputa. Por este motivo, uma das primeiras tarefas do conciliador ou do mediador na declaração de abertura deve ser endereçar especificamente as preocupações dos advogados.
Assim, pode-se afirmar que onde há mediadores e conciliadores bem treinados há espaço para advogados nos processos consensuais. Por outro lado, se não há espaço adequado e digno para advogados em conciliações e mediações em razão da falta de facilitadores bem treinados, melhor seria não haver conciliação ou mediação. Todavia ainda resta uma questão fundamental: como adequadamente remunerar advogados pelo trabalho de criatividade de encontrar soluções nas conciliações ou mediações?
Uma possibilidade que se mostra absolutamente realizável seria o estímulo aos honorários conciliatórios – o valor pecuniário pago ao advogado que contribuiu com a solução encontrada para o litígio. Idealmente, estes honorários deveriam ser contratualmente previstos todavia nada impede que sejam fixados (ou consensuados) no início de uma conciliação. Ao término de uma declaração de abertura um conciliador ou um mediador deve perguntar se as partes já acertaram com seus respectivos advogados os percentuais de honorários conciliatórios.
Exemplificativamente, em uma declaração de abertura, o mediador ou o conciliador adequadamente capacitado deve trazer um discurso como este: “… Gostaria de agradecer a presença dos advogados, suas participações nessa mediação serão muito valiosas e muito bem-vindas uma vez que bons advogados são muito importantes para mediações na medida em que apresentam soluções criativas para as questões que nos trouxeram aqui e ao mesmo tempo asseguram que ninguém abrirá mão de quaisquer direito sem estar plenamente consciente desta renúncia e dos ganhos dela decorrentes. Além disso, gostaria de registrar para as partes que, como este é um processo que envolve não apenas direitos mas também outros interesses mais amplos, na maior parte da mediação os advogados não se manifestam e isso significa que eles estão desempenhando adequadamente seus papéis – dentre os quais um deles é permitir que as partes se expressem livremente para que possam se entender diretamente. Aproveito a oportunidade para perguntar se, por acaso, já foram estipulados entre as partes e seus advogados os honorários conciliatórios – aqueles devidos aos advogados pela contribuição com a solução encontrada para o litígio e a economia de tempo gerada por esse trabalho. Caso não tenham estabelecido esses parâmetros, sugiro que comecemos a conciliação debatendo este tema pois essa é uma questão relativamente simples para dar início às nossas conversas…”
Certamente esta questão de honorários conciliatórios ainda merece ser bastante debatida principalmente no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil. Todavia, não consigo conceber um modelo de justiça satisfatória para os envolvidos sem advogados valorizados e uma das formas mais básicas de se registrar o apreço pelo profissional que verdadeiramente soluciona as questões de seus clientes consiste em estabelecer parâmetros legítimos de remuneração pelo criativo trabalho de encontrar saídas para questões que poderiam se arrastar por décadas no nosso Judiciário.
André Gomma de Azevedo é Juiz de Direito na Bahia e Pesquisador Associado da Universidade de Brasília.
[1] RISKIN, Leonard et al. Dispute Resolution and Lawyers. Minneapolis: West Group, 1997; COOLEY, John. A advocacia na mediação. Brasília: Ed. Universidade de Brasilia, 2001; e MENKEL-MEADOW, Carrie et al. Dispute Resolution: Beyond the Adversarial Model. Nova Iorque: Aspen Publishers, 2005.