Além das dificuldades inerentes à árdua atividade de julgar, é quase certo que na grande maioria das vezes a parte que experimentou derrota, mostrando-se irresignada, a exemplo do que ocorre nos jogos de futebol, não se esquece de culpar o juiz pelo revés sofrido.
Como é compreensível, assinala o magistrado Antoine Garapon, no seu instigante livro Bien juger (Paris, O. Jacob, 1997), que o litigante vitorioso jamais se lembra de elogiar o juiz quando ganha a causa. Apenas quem perde critica o magistrado, a magistratura e, de quebra, o Poder Judiciário.
Observo que este comportamento — natural, diga-se de passagem — também contamina os operadores do Direito. É muito mais comum um advogado atacar uma sentença ou um acórdão do que tecer loas a um julgado. Esta constatação é antiga, faz parte da índole humana e, ainda, diante da baixa qualidade dos julgamentos, tem se repetido com inegável frequência nos dias atuais.
Não obstante, o cultor da ciência jurídica bem sabe que, apesar dos paradoxos emergentes de muitas decisões descuidadas, imprecisas e até mesmo equivocadas, alguns julgados são marcados pela preocupação em superar os obstáculos processuais visando a julgar o mérito. Afinal, uma decisão que põe termo ao litígio cumpre a missão institucional do Judiciário.
A propósito, tomei conhecimento de um excelente aresto, proferido pela 3ª Turma do STJ, em novembro passado, que coroa a admirável produtividade desta corte federal no ano que se findou. Trata-se do acórdão, relatado pela ministra Nancy Andrighi, no julgamento do Recurso Especial 1.389.763-PR. Para quem estuda os institutos processuais, este julgado, examinando um caso complexo, descortina-se deveras interessante.
Primeiro, chama atenção a precisa interação entre doutrina e jurisprudência, a começar pela confirmação do cabimento de embargos infringentes em agravo de instrumento, quando o acórdão recorrido decidir o mérito da demanda, na linha sufragada por antigo precedente da Corte Especial, no julgamento dos embargos de divergência no Recurso Especial 276.107-GO, de relatoria do ministro Francisco Peçanha Martins.
De minha parte, sempre entendi que o acórdão não unânime, nos termos do artigo 530, caput, do CPC, mesmo que proferido em agravo de instrumento, em tudo se equipara àquele que julga o recurso de apelação, apto a desafiar embargos infringentes.
Em seguida, a 3ª Turma, no indigitado precedente, negou provimento ao recurso especial, interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná, para confirmar a rejeição de exceção de pré-executividade oposta, com fundamento na arguição de nulidade de sentença arbitral, ante a ausência de assinatura de compromisso arbitral e, ainda, de alteração substancial, no termo de arbitragem, da cláusula compromissória.
Anoto que o voto condutor, prestigiando o instituto da arbitragem e, mais uma vez, mostrando evidente domínio da matéria, enfrenta duas questões, a saber: a) eficácia da cláusula compromissória; e b) natureza jurídica do termo de arbitragem.
Assim, quanto à primeira delas, a turma julgadora, seguindo a argumentação do voto condutor, asseverou que o artigo 6º da Lei 9.307/1996 exige a assinatura do compromisso arbitral apenas quando não existe prévio acordo sobre a forma de instituição da arbitragem, sendo certo que o compromisso arbitral é imprescindível somente na hipótese de instituição de arbitragem convencionada por cláusula compromissória vazia.
Daí, porque — averba o julgado — a: “cláusula compromissória ‘cheia’ inserida em contrato fica em estado latente, operando-se seus efeitos práticos na instalação do juízo arbitral, ad hoc ou institucional, diante do efetivo surgimento da controvérsia”.
Já no que se refere à segunda questão, alusiva à extensão objetiva da denominada “ata de missão” ou termo de arbitragem, o acórdão se reporta à prestigiosa doutrina de Selma Ferreira Lemes (Convenção de arbitragem e termo de arbitragem: características, efeitos e funções, Revista do Advogado da AASP, edição 87), para conceituar o termo de arbitragem como o “instrumento processual organizador da arbitragem”, pelo qual se outorga ao tribunal os contornos do litígio e as regras pelas quais desenrolar-se-á o procedimento arbitral. Não se confunde, portanto, com o ato de instituição da arbitragem, visto que, a teor do artigo 19, esta se considera instituída no momento em que os árbitros aceitam a sua nomeação.
Considerando-se, portanto, a liberdade das partes, o termo de arbitragem, se aproxima do compromisso arbitral, “porém com ele não se confunde. Isso porque o compromisso arbitral atribui a competência jurisdicional aos árbitros, enquanto o termo de arbitragem pressupõe o juízo regularmente instalado, delimitando-se a controvérsia e a missão dos árbitros”.
Diante de tal premissa, conclui o julgado: “todavia, porque forjado na liberdade e disponibilidade, o termo de arbitragem poderá alterar ou suprir omissões e até sanar irregularidades – somente não se admitem alterações que atinjam o núcleo essencial e cogente relativo à igualdade das partes e ao contraditório. Noutros termos, a assinatura do termo é momento adequado para que o procedimento seja novamente objeto de deliberação e acordo das partes e dos árbitros”.
A lavratura do termo de arbitragem, portanto, implica a estabilização do objeto litigioso do processo arbitral, bem como o ajuste de eventuais regras e dos prazos que regerão a atuação bilateral das partes.
Registre-se, por fim, que as questões processuais examinadas tiveram solução adequada, revelando-se, no voto condutor, invejável estilo pedagógico para o trato de temas que guardam certa complexidade. Vale!
José Rogério Cruz e Tucci é advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo e professor titular da Faculdade de Direito da USP
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 7 de janeiro de 2014